Observamos nos últimos dias pela TV e jornais a operação de guerra montada no Rio de Janeiro contra o tráfico de drogas no cerco ao “Complexo do Alemão” – conjunto de 13 favelas no Rio de Janeiro – pelas forças militares governamentais com o intuito de ocupar o morro. Ocupação e libertação foram as palavras mais ouvidas nas reportagens veiculadas pela imprensa.
Tomar um território urbano já ocupado pela população por forças policiais talvez seja demasiado forte para nossos dias, mas vimos que se tornou imperativo.
O “morro” como conhecemos nas grandes cidades brasileiras, são espaços ocupados por uma população de irmãos brasileiros menos afortunados. São espaços urbanos com grande carência de infra-estrutura e equipamentos urbanos, ou seja, carente de serviços urbanos como pavimentação, transporte público, escolas, postos de saúde, etc. Concentra uma população com renda baixa, baixa escolaridade, subempregada, com crianças e adolescentes com muito tempo livre, em outras palavras, ausência quase total do Estado. São enclaves dentro da cidade com uma lógica urbana própria. Um ser vivo que vive para outro ou do outro.
Na outra ponta estão os condomínios fechados. Organismos vivendo da cidade, mas que pretendem ficar isolados dela. Contando com bons ou ótimos serviços urbanos, estão inseridos na malha urbana, mas não interagem com seu entorno, criam um mundo à parte. Claro que a grande justificativa é a segurança para seus moradores, que em parte, entendo ser justa.
Para a cidade, que pretende ser um espaço de trocas sociais e produção da cultura regional e nacional, esses dois exemplos de ocupação urbana trabalham no sentido oposto. São ilhas, onde o restante da população não pode interagir, ambos pelo mesmo motivo: o medo.
“Morros” e muros encravados nas entranhas da polis como em uma festa onde os “grupinhos” não se misturam.
Seria bem melhor para todos nós uma cidade sem medo. Centros urbanos com permeabilidade em seu interior, ou seja, mobilidade. Trânsito livre em todas as suas artérias. A cidade interagindo com a cidade, mais espaços públicos e a busca para um comportamento social voltado ao encontro.
A arquitetura atual reflete o comportamento social de nossos dias, pois está extinto o espaço de transição das casas para a rua, tão utilizado anteriormente. A agradável varanda, local onde se avistava a rua e se deixava avistar, não é mais usada.
A arquitetura de nossas construções e cidades carregam símbolos que podemos decifrá-los para entender a sociedade que as criou. O medo e o sentimento de insegurança da sociedade brasileira são visíveis no espaço construído. Geram muros altos e uma paisagem árida, cercas elétricas e guetos isolados como as favelas. Não compartilho a idéia dos urbanistas do movimento moderno, na qual intentavam mudar a sociedade através de novas propostas de desenho urbano e arquitetônico. Entendo que a sociedade não é reflexo de seu meio construído. O contrário sim, me parece ser mais razoável. Agora, é urgente que as autoridades, planejadores e sociedade organizada, introduzam mudanças arquitetônicas e de ordem urbanísticas nesses espaços degradados que chamamos de favelas. Somente com a presença de equipamentos urbanos como escolas, praças e vias de acesso compatíveis com a extensão de seu território, a retomada pela cidade será efetiva.
A cidade precisa se reconhecer cidade em toda a sua extensão. O medo deve dar espaço a algo mais inteligente. Vamos trabalhar a favor da unidade e nunca pela diferença, quem sabe assim as varandas voltem.