Passeando em um dos parques urbanos mais famosos do mundo ouvi uma música ao longe. Quanto mais eu me aproximava dela mais instigado ficava. Era simplesmente fantástica a sua execução, quase perfeita. Quando finalmente cheguei ao encontro de seus executantes, pude perceber uma banda marcial impecavelmente trajada. Mais impecável era a sua música. Esse parque, o Hide Park de Londres, possui os mais belos gramados com belas formações de árvores harmoniosamente agrupadas e, não menos belos jardins de flores.
Fui surpreendido com a sonoridade espetacular da banda em um extenso parque de condições extraordinárias. Foi então que lembrei de uma sexta-feira à noite, quando eu e meus colegas do curso de arquitetura em Porto Alegre, expremíamos para ouvir e ver Burle Marx. O famoso paisagista nos brindava com uma palestra inesquecível. Lembrei-me de suas palavras sobre seus projetos de jardins, praças e parques. Explicava como organizava os volumes de vegetação, como distribuía as diversas tonalidades de verdes, alturas e espessuras das plantas e de seus conjuntos. Os jardins de flores e os espaços livres, vagos, que serviam à contemplação. Organizava todo o espaço, seguindo uma ordem estética, respeitando a característica botânica das plantas e como acontecia a interação homem-natureza. Para ele o projeto deveria conduzir a um carácter estético e, após, brincava que muitas praças brasileiras, por intervenções posteriores, possuíam homenagens a personalidades que não tinham “carácter”, ou o mesmo carácter estético do conjunto.
Mas o imponderável também foi dito pelo famoso arquiteto e foi justamente esse ponto que me fez lembrá-lo anos depois no parque londrino. Burle Marx frisou que também considerava não só o cantar dos pássaros que, são atraídos pelas flores e frutas de suas composições paisagísticas, mas também os sons produzidos pelos insetos. Abelhas, zangões, cigarras e outros foram mencionados na palestra como executores de agradáveis sons. Acredito que em sua sabedoria, queria dizer que os sons das asas significavam novas fecundações para a renovação dos seus jardins. A visita dos insetos às flores significava a continuidade. Certamente isso justificava a beleza do seus sons.
As palavras do mestre naquela noite me fizeram pensar em algo nunca imaginado. É muito bom ouvir grandes personalidades, elas sempre nos despertam para algo nunca pensado. E assim a música da banda britânica, depois de passado o seu encanto sobre mim, fez reacender as palavras do arquiteto-paisagista sobre os sons de um jardim. A banda marcial com sua harmonia e sem desafinar uma só nota, encheu de sons os extensos espaços verdes. Coisa que os insetos e pássaros de Burle Marx fazem sempre, todos os dias, quase despercebidos.