Sempre que vou a uma localidade pela primeira vez, gosto de percorrê-la a pé para melhor conhecê-la. A passeio, de passagem ou a trabalho, mantenho essa rotina por ser, pra mim, muito prazerosa. Gosto da surpresa, do mistério, do que posso ver de algo novo e encontrar após uma esquina. Como arquiteto, tenho prazer em passear pelos centros urbanos e ver suas construções. Tento adivinhar a idade dos edifícios através de suas características estilísticas e percorrê-los, se possível.
Certa vez, fazendo meu reconhecimento costumeiro em um intervalo de um trabalho, me surpreendi não com o edifício em si, pois era uma igreja simples e muito tradicional, mas sim com a sua viva utilização. Percebi que em seu interior estava com o mobiliário disposto de modo diferente do habitual para um templo. Próximo a entrada, ou melhor, no lado oposto ao do altar, no fundo a direita, existiam poltronas e estantes com muitos livros. Ao centro, em uma das alas, as cadeiras estavam dispostas como a formar um cercado. No altar, algumas crianças acompanhadas por dois adultos, ensaiavam uma peça musical. Curioso, recebi a atenção do pároco que explicou o funcionamento diário e o uso do espaço da igreja. As poltronas e os livros constituíam em uma biblioteca para a comunidade. O ¨cercado¨ servia para atender uma creche no período matutino. Perguntei sobre o ensaio e onde seria a apresentação. ¨Aqui, onde mais?¨, respondeu o religioso.
Confirmei in loco o que já sabia pelos livros, o democrático uso dos espaços públicos ingleses. O local era Highwycombe, pequena localidade nos arredores de Londres. No mesmo local onde se realizavam cultos anglicanos, funciona uma creche, ensaiam e realizam-se apresentações de pequenos espetáculos nas noites de sábados, além de abrigar uma pequena biblioteca. Uma formidável potencialização do uso do espaço que fora construído originalmente para realizar celebrações religiosas, com atividades distintas e que convivem em harmonia para atender a comunidade.
O exemplo que encontrei nesse templo ilustra como o espaço público pode ser bem utilizado. Mesmo para um local considerado sagrado, não ficou caracterizado o desrespeito. Para os ingleses, todo o espaço disponível deve ser bem aproveitado, demonstrando um alto grau de amadurecimento social. Percebemos esse estágio da sociedade quando o bem comum é respeitado, sem vandalismos, e com a existência de uma identidade da população com seus espaços coletivos.
Temos muita identificação com o nosso quarto, em primeiríssimo lugar. Necessitamos de um local de recolhimento, pois a sensação de proteção que temos no dormitório bem como na casa toda, não é só física, mas também psicológica. Já o que fica externo a residência, o que é público, o sentimento de pertencer ao lugar é menor. Parece que o espaço é dos outros e não nosso.
As pessoas começam a utilizar o espaço público na medida em que reconheçam objetos, situações e imagens que representem algo prazeroso e com algum significado coletivo. A praia com certeza sintetiza todos os atributos de um espaço público bem utilizado e freqüentado. Provavelmente é o espaço mais democrático de nossas paragens. As pessoas vão ocupando um lugar na areia, o suficiente para sentarem-se ou tomar banho de sol deitadas. O colorido do guarda- sois, a areia, o mar e nada mais embaixo do sol forte. Um verdadeiro exercício de democratização em um espaço público. Um hábito tão comum como arraigado entre nós.
Local para banhos, esportes, contemplação e para o encontro. Poderíamos usar o exemplo da praia para levar ao interior de nosso território. Quem sabe, seguindo o ritmo da nossa história, o Brasil que sempre aconteceu do litoral para o interior, comece a valorizar outros espaços coletivos como praças, ruas, parques e edifícios públicos como valorizam e se comportam os brasileiros nas praias.
