Ouvindo a música Anhangapiri, na voz da grande cantora argentina Mercedes Sosa, me fez pensar sobre a primeira frase da canção: “Andei olhando o povo, buscando-me”. (“Anduve mirando el pueblo, buscando-me”). Realmente esse é um grande modo de reconhecermo-nos, buscando nossas raízes e referências. O local onde fomos criados com as suas peculiaridades, forjam características culturais comuns a todos seus cidadãos. Reproduzimos essas características em nossa fala, senso estético e até em nosso modo de parar e olhar. Podemos nos reconhecer nas canções de nosso país, na literatura, na arquitetura, na moda e até no modo como arrumamos e embelezamos nossas casas. A tudo isso chamamos de arte ou manifestações culturais.
Umas mais perenes que outras, mas se nos detivermos, com um olhar crítico, veremos desfilar na frente de nossos olhos um número sem fim de exemplos. A arte é reflexo de nosso modo de pensar e nosso comportamento, claro que a influência disso remete a outros inúmeros fatores e questões de ordem ideológica, social, econômica e tecnológica. Podemos então dizer que é na arte que reconhecemos nossa cultura e a sociedade que a criou, por isso ela tem uma importância fantástica e nunca deve ser relegada a um plano menor. Podemos sentir o sofrimento de um compositor através de sua música (tentem Tchaikowsky) ou perceber na frenética pintura chamada ação pontual (action point) do americano Jackson Pollock, o seu modo de traduzir a estressante vida moderna de nossos dias. Nós brasileiros, apesar de possuirmos uma cultura bastante rica, ainda damos pouco valor a nossa própria produção artística. Não estou querendo dizer que não nos orgulhamos dela, só afirmo que, inconscientemente, ainda a menosprezamos. Sim, insisto que ainda não assumimos nosso cotidiano orgulho nacional, mas deixamos escapá-lo quando algum de nós pede a um estrangeiro impressões sobre nós, claro que ficamos a espera de um elogio. Quando ouvi, o também monstro musical Astor Piazzolla dizer que a música popular brasileira é a mais rica do mundo, senti orgulho e muita satisfação.
Piazzola se referia a nomes como Villa Lobos, Nazaré, Pixinguinha, Tom Jobim, Chico, e tantos outros. Não só de musical se caracteriza nossa sociedade, nós já produzimos muitos nomes de destaque em outros tipos de manifestações artísticas, quer na literatura, nas artes plásticas e na arquitetura. O arquiteto Oscar Niemayer e o pintor Cândido Portinari possuem destaque internacional. Eles levam o nome do Brasil para o mundo, mostrando em suas obras um pouco de nós, ou também, poderíamos dizer, que cada obra porta um código nosso. Basta parar em frente de uma dessas obras, percorrê-la, e com um pouco de atenção e uma dose de sensibilidade, poderemos, como conterrâneos e seus contemporâneos, decifrar um pouco da intenção do autor ao gestá-la. Veremos que essa intenção passou pelo nosso jeito em ver as coisas. Isso é arte, e ela tem valor porque mostra o momento histórico de um povo; seus gostos e valores; o seu momento tecnológico e o ponto de vista próprio em retratar essas coisas. De fato, a obra está inserida em um contexto cultural e se utilizará de valores e signos da sua época, mesmo que com estética e técnicas próprias de cada autor. Por tudo isso, reconheçamo-nos na arte. Valorizemos o que irá mostrar o que fomos e como era a nossa visão de mundo para as gerações que virão.
Ricardo Sardo
