Poucas vezes fiquei tão impressionado com a visita a um lugar como quando estive na Casa Curutchet em La Plata, Argentina. Realizei nessa cidade um curso de pós-graduação durante os anos de 1991 e 1992. Próximo a instituição que estudava, ficava uma construção de projeto do grande arquiteto do modernismo mundial. Le Corbusier, arquiteto franco-suíço havia sido contratado por um médico argentino para projetar uma clínica e uma residência conjugadas. A obra aconteceu nos anos 50, contudo hoje é um museu aberto a visitação. Estive lá e pude comprovar a beleza estética e a coerência da arquitetura do mestre com as idéias por ele mesmo desenvolvidas.
O modernismo, movimento cultural que teve a participação forte de Le Corbusier, estava representado tanto nas formas, como no modo de distribuir os ambientes em toda a casa e clínica do médico platense. Para um arquiteto como eu, fã do modernismo e de seu arquiteto maior, era uma honra e uma oportunidade rara ver e poder percorrer uma edificação tão emblemática. Ouvi atentamente o relato do guia sobre as dependências da casa-museu. Quando e como tinha sido feita, que circunstâncias o médico havia contratado o arquiteto europeu e como acertaram os detalhes da obra.
Tudo estava como originalmente tinha sido pensada, até as cores especificadas foram devolvidas para que a obra modernista, única do mestre em La Plata, estivesse como fora projetada.
O guia encerra a sua explanação sobre a obra e acrescenta uma última observação: “O senhor Curutchet nunca se adaptou a essa construção, ele não gostava da obra edificada”. Essa declaração causou grande impacto em mim. Primeiramente pensei como era possível uma obra de um arquiteto tão cultuado pudesse ser criticada a ponto do próprio morador, usuário e contratante renegá-la. Essa pergunta me acompanhou pelo dia inteiro. Passado o primeiro impacto, aflorou uma nova questão, agora era mais do que uma pergunta, era uma tomada de consciência sobre o papel do arquiteto na hora de decidir um projeto. Que rumos seguir? Qual deveria ser a postura de um profissional da arquitetura perante suas idéias e conceitos e os anseios do cliente. Confesso que esses questionamentos me perseguem até hoje.
É sabido que o ambiente cria sensações em nós. Sentimo-nos melhores ou piores conforme nos identificamos com o meio construído. E nem sempre nos damos conta disso. Se levarmos em conta que vivemos em ambientes totalmente modificados, ou seja, construídos pelo homem, percebemos que a responsabilidade do arquiteto aumenta consideravelmente. Somos guiados por um mundo com trilhas, obstáculos e remansos. Ruas, corredores, paredes e salas formam um sistema por onde transitamos e estamos sujeitos a ele. Como não podemos atravessar paredes, seguimos pelos acessos e trajetos projetados em uma prancheta. O projeto também determina a altura do teto, a iluminação, como será a renovação do ar, as cores das paredes, sua textura e sua forma. Esses aspectos nos acompanham em nossas casas, escritórios, escolas e fábricas e afetam direta ou indiretamente nosso estado de espírito. O ambiente também é um caso de saúde pública, física e mental.
As palavras do guia naquela tarde de visita em terras portenhas, despertaram-me um grande questionamento, coisa que nenhum professor do meu curso de arquitetura foi capaz de provocar. Nessa época eu tinha 8 anos de profissão e a partir daí refiz meu modo de encarar a relação profissional-cliente. Cresceu em mim a consciência da responsabilidade que tenho como profissional e na ponta da minha lapiseira. A Casa Curutchet é um marco na minha vida profissional não só pelo seu valor arquitetônico incontestável como também pelas palavras finais do guia em nossa visitação. Palavras que provocaram em mim o início de uma nova postura.